por T. Austin-Sparks
A maioria de nós, como povo do Senhor, provavelmente concordaria que atualmente existe uma grande necessidade de que o Senhor demonstre Seu poder. Essa poderia ser nossa confissão pessoal: cada um de nós diria: 'Há uma grande necessidade do Senhor fazer algo em minha vida - fazer algo novo, poderoso em mim, e talvez em meu ministério.' Além disso, muitos de nós confessaríamos que tal necessidade prevalece no círculo de crentes com os quais estamos relacionados – uma necessidade de que o Senhor se mova em poder de uma maneira nova. Mas não poderíamos ampliar isso ao máximo e dizer que há uma necessidade muito grande de que o Senhor faça algo poderoso em toda a Igreja e em todo o mundo?
A quem, então, o Braço do Senhor é revelado desta forma? Antes de prosseguir com esse assunto, deixe-me apresentar uma situação hipotética.
Suponhamos que uma doença muito complicada e grave tenha afligido um paciente - imaginemos que esse paciente somos nós mesmos, ou a Igreja, ou o mundo - e um médico seja consultado. Após consideração séria e cuidadosa, com alguma experiência considerável e conhecimento, e não pouca autoridade, o médico chega a uma conclusão sobre o problema e diz que sabe qual o remédio. Ele não tem nenhuma dúvida a esse respeito. Mas certos fatores impõe dificuldades consideráveis no seu desejo de ajudar.
Em primeiro lugar, ele tem de explicar que o seu remédio não será agradável – na verdade, será doloroso; irá contra toda a predisposição do paciente; e exigirá verdadeira cooperação e persistência, talvez durante um período prolongado, exigindo muita paciência e fé. Então, ele encara outro desafio. O paciente já ouviu falar do remédio antes, talvez muitas vezes, e sua reação é: 'Já ouvi falar muito sobre essa cura; tem-se falado muito sobre isso. Acho que você está muito limitado a só esse caminho, que não vê nada além disso; talvez seja até um excêntrico. Não tem como variar um pouco? Não tem como introduzir alguma outra coisa um pouco mais palatável? Devemos estar vinculados a este único caminho?’ Outra objeção é: 'Sabe, isso não é muito popular. A opinião pública tem muitas críticas a este respeito; temos muitas opiniões diferentes sobre o assunto.
Estas são coisas com as quais ele é confrontado. O que ele deveria fazer? Deveria ceder a estes fatores que vem para dissuadi-Lo e abandonar o caso, ou deveria prosseguir com o trabalho? Vejamos a questão de outro ângulo – do ponto de vista do paciente. Qual deve ser a atitude lógica do paciente neste assunto? Não deveria ser - 'Bom, a situação é grave, não há dúvida disso, e é muito complicada. Quais são as alternativas? Conheço alguma alternativa? Existem perspectivas, caminhos e meios em outras direções? Não deveria eu ser justo e honesto e submeter isto a um teste completo? Será que sinto suficientemente a gravidade da minha condição para me fazer afastar toda a opinião pública, os sentimentos e reações pessoais, gostos e desgostos, e realmente me dedicar a este assunto?'
Essa é exatamente a posição em que estamos. A grande necessidade na vida espiritual do povo de Deus é amplamente reconhecida. E, no entanto, circulam todos estes argumentos: que se fala tanto sobre esta questão em particular – já ouvimos isso repetidas vezes; que a opinião pública está tão dividida sobre este assunto; e que isso é algo que vai totalmente contra a nossa natureza. Mas o cerne da questão não reside, em primeiro lugar, em saber se percebemos que a situação é suficientemente grave para justificar que deixemos de lado todas as considerações secundárias e realmente dêmos ao remédio uma oportunidade e um teste completos; e, em segundo lugar, se temos alternativas - se há perspectivas de que tudo isto seja melhorado num sentido diferente deste?
Claro, você deve estar dizendo: Qual é a linha? qual é o remédio? do que você está falando? Talvez você já tenha tirado sua conclusão. O remédio, o único remédio, mas o remédio seguro, para todas as nossas doenças espirituais, é a Cruz – a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Não é agradável à nossa carne, vai contra todos os nossos gostos e predisposições; não é popular; A opinião cristã está muito dividida sobre esta questão da obra da Cruz. E assim por diante... Mas, afinal, ficamos com a nossa condição; com a nossa necessidade; na nossa situação; e quer você perceba ou não, a situação no cristianismo, entre os cristãos, é muito crítica.
Tomemos, por exemplo, toda a questão das divisões entre o povo do Senhor. É uma praga; é uma coisa má; é o funcionamento de uma doença profunda; está minando a constituição de toda a Igreja de Deus. Assim poderíamos contornar a necessidade, encarando-a sob vários pontos de vista; e deveríamos constatar que, sem exagero, a situação é grave.
A Palavra de Deus nos oferece este remédio. Está completa e minuciosamente documentado; tem a autoridade muito bem estabelecida por trás dele. Repetidas vezes, tanto na vida individual como na vida coletiva, provou ser a resposta. A Palavra de Deus não nos oferece nenhuma alternativa, nenhuma perspectiva em qualquer outra direção. A Cruz é a resposta.
Vejamos novamente por um momento as profecias de Isaías. Esta seção que estivemos considerando, do versículo 13 do capítulo 52 até o final do capítulo 53, mostra que a Cruz é o remédio para uma situação multifacetada e muito complicada neste mundo. Vemos aqui todas as coisas que compõem a situação. Pecado! pecado! “Ele levou o pecado de muitos” – a palavra ali é ‘erro’, ‘fracasso’. Transgressões! - palavra ainda mais forte, que significa 'rebeliões' - “Ele foi ferido pelas nossas transgressões”. Iniquidade! - que significa 'nossa perversidade' - "O Senhor fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos." Erros e falhas e rebeliões e perversidades – estes são o começo da doença. Enfermidades, tristezas - para que você possa preencher cada vez mais detalhes do caso a partir das palavras deste capítulo; e quando você junta tudo, você afirma: 'Esse paciente está em um estado deplorável; essa é realmente uma situação séria!' E o capítulo como um todo tem apenas um objetivo: mostrar que a Cruz do Senhor Jesus é o remédio para tudo, a resposta para tudo. Tudo é tratado e esclarecido pela Cruz.
Mas aqui devemos recuar por um momento para considerar duas coisas. Neste ponto é feita uma pergunta: “A quem foi manifestado o braço do Senhor?” e então o resto do capítulo é a resposta a essa pergunta. Esse Braço do Senhor é Deus entrando nesta situação, com habilidade, poder, sabedoria, para lidar com tudo isso e esclarecê-lo. E o capítulo diz que a Cruz é o Braço do Senhor, indo contra toda esta condição. O braço do Senhor está contra este estado de coisas. Essa é a primeira coisa.
Mas há algo mais. O braço do Senhor chega com uma nova condição, um propósito certo e claramente definido em vista, que é nada menos que a exaltação e vindicação de Jesus Cristo. Essa é o nosso segundo ponto. O Braço do Senhor é para isso, mas a Sua exaltação e vindicação demandam que a Cruz esclareça esta situação. É claro que isso inclui o Novo Testamento: foi porque a situação foi esclarecida no Calvário que Jesus foi exaltado e vindicado. Observe que a exaltação e vindicação de Cristo está no Seu poder e na Sua posteridade. Essas duas coisas resumem esta seção. Logo no início (52:13) temos: “O meu servo... será elevado e exaltado, e será mui sublime”. E então, no final da seção (53:10,11): “Ele verá a sua posteridade… Ele verá o fruto do penoso trabalho da sua alma...” Em poder: “elevado”; na Sua semente: “Sua posteridade” – em outras palavras, Sua Igreja.
Isso traz a questão muito mais perto de nós, porque o primeiro desafio de tudo isso está relacionado à nossa preocupação com a exaltação e vindicação de Cristo. Essa é a questão levantada aqui. Devemos nos fazer esta pergunta: 'Quanto estou realmente preocupado com a exaltação e vindicação do Senhor Jesus?' Se lhe fizessem esta pergunta numa conversa privada, não tenho dúvidas de que responderia: 'Estou muito preocupado com isso. Na verdade, não tenho desejo maior e não trabalho mais por outra coisa que seja a exaltação e vindicação de Cristo. Que propósito mais elevado temos para viver ou trabalhar do que este?’ Você diria isso, tenho certeza. Mas será que percebemos que a prova da nossa preocupação, e aquilo que mede o grau de nosso interesse, é a nossa preparação para aceitar a Cruz? Não há outro caminho para a exaltação e vindicação do Senhor Jesus senão o caminho da Cruz. Provaremos se realmente estamos preocupados e, em caso afirmativo, o quanto estamos interessados nisso, pela medida em que estamos preparados para aceitar esta obra da Cruz em nós mesmos, esclarecendo toda situação que desonra o Senhor.
É tão fácil falarmos ou pregarmos sobre a exaltação do Senhor Jesus. Sua entronização, Sua glorificação – é maravilhoso falar sobre essas coisas; e, claro, a Sua Igreja, a Igreja de Cristo, que é o Seu Corpo, também é uma grandiosa – a grande Obra-Prima de Deus. Sim, gostamos de conversar sobre isso. Mas o teste para saber se tudo isto tem influência sobre a nossa vida interior é o quanto deixaremos a Cruz trabalhar em nós: pois estas coisas tão grandiosas - Sua exaltação e Sua Igreja - não são possíveis de serem realizadas, exceto pela obra da Cruz nos crentes.
Este é um desafio que surge imediatamente e é muito investigativo. De qualquer forma, chegaremos a esse ponto, mais cedo ou mais tarde, à medida que prosseguirmos com o Senhor. Toda a nossa linguagem, nossas conversas e todas as nossas pretensões serão desafiadas por isso. O Senhor responderá: 'Sim - mas você está preparado para permitir que a Cruz trabalhe em você neste assunto específico, e naquele - naquele relacionamento específico, e nessa questão em você, e nessas conexões? Você está preparado para deixar a Cruz lidar com essas coisas?’ A resposta a isso provará se, afinal de contas, temos preocupação pela exaltação e vindicação de Cristo. Nossa preocupação com isso será demonstrada em nossa avaliação e atitude em relação à Cruz.
Se, por outro lado, seguirmos a linha: 'Oh, ouvimos tanto sobre a Cruz; isso é uma obsessão” – se tomarmos uma atitude como essa, de alguma forma menosprezando a Cruz, ou tornando-a em algo menor do que Deus a fez; se a nossa atitude subestimar a importância da Cruz: então isso é prova de que ainda não fomos interiormente dominados por esta preocupação pela exaltação do Senhor Jesus.
Não esqueça que o próprio Senhor nunca teria sido exaltado, se não fosse pela Sua Cruz. Houve aquele poderoso “Pelo que ... " Por que? "...tornando-se obediente até a morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira…” (Fp 2:8,9). Se não fosse pela Cruz, Ele nunca teria sido exaltado; e, em princípio, Ele nunca é exaltado, exceto na medida em que há uma obra da Cruz em Seu povo. É tão claro, não é, que, se a Cruz não tratou das coisas em nós, o Senhor Jesus não pode ser glorificado em nossas vidas. E quanto à Sua Igreja - a Igreja nunca teria sido trazida à existência se não fosse pela Cruz, e, se não fosse pela Cruz, nunca poderia ter uma expressão no presente. O seu início, a sua continuidade, seu crescimento e sua consumação são sempre dirigidos por intermédio da lei da Cruz; e todo acréscimo ou aumento na Igreja, seja espiritual ou numericamente, acontece por intermédio da Cruz. Não há outro caminho. Portanto, esse é um teste e um desafio muito real para nós.
Novamente desejo reforçar que o Espírito de Deus mostra que os caminhos e meios de Deus são sempre positivos e não negativos. Quero dizer isso com ênfase; vamos sublinhar isso em nossas mentes. Os caminhos de Deus são sempre construtivos e não destrutivos; eles não se limitam neles mesmos, mas têm um propósito maior por trás. Se o meio inclusivo e abrangente de Deus é a Cruz, entenda-se, de uma vez por todas, que através da Cruz Ele está trabalhando com uma finalidade – um grande objetivo. A Cruz nunca pretende terminar com destruição; nunca se pretende terminar com um negativo. Deus está trabalhando por algo grandioso e Ele usa a Cruz dessa maneira positiva.
Veja, a fraqueza em nossa compreensão da Cruz se deve em grande parte a uma má compreensão da Cruz. Nossa ideia da Cruz é que ela é destrutiva, negativa, mortal. Nós nos revoltamos contra ela; não queremos que falem sempre sobre esta morte de Cruz – morte, morte, morte. Na verdade, é possível pregar a cruz a ponto de trazer a morte; mas isso é uma pregação errada. Essa não é de forma alguma a interpretação de Deus da Cruz. Deixe-me repetir: o Espírito Santo mostra aqui muito claramente que os caminhos e meios de Deus são sempre positivos e não negativos; eles sempre têm em vista algo mais e não menos; não o nosso fim, mas uma maior plenitude.
Se pudéssemos realmente compreender isso, isso transfiguraria a Cruz diante de nós. Quando o Senhor nos confronta com esse desafio, o que fazemos? Nós nos revoltamos, recuamos – não gostamos dele! Por que? Simplesmente porque não vimos que, nesta aplicação da Cruz, Deus está determinado a garantir algo mais nas nossas vidas – nas nossas comunidades, na Sua Igreja – algo mais do que existia antes. Essa é a lei de Deus. Deus não é um Deus negativo. Outros deuses são deuses negativos, mas o nosso Deus não é um deus negativo. Ele não está trabalhando para levar as coisas à aniquilação; Ele tem propósitos muito grandes diante de Si em todos os Seus caminhos e em todos os Seus meios.
O que realmente temos que ver é que, seja o que for na Cruz que possa ser negativo - e é claro que irá nos negar algumas coisas - ela é o instrumento mais positivo de Deus para assegurar valores espirituais, celestiais e eternos. A Cruz é o instrumento mais positivo de Deus para garantir a ampliação – e não a aniquilação – daquilo que permanecerá para sempre. Embora seja verdade que a Cruz, em primeiro lugar, representa o “Não” de Deus, e que não podemos ter o “Sim” de Deus – o Braço do Senhor – até que tenhamos aceitado o Seu “Não”, ainda assim, uma vez que estejamos dispostos vir e aceitar o 'Não' de Deus, então o caminho estará livre para chegarmos direto ao Seu 'Sim'. E, note bem, o Nome de Deus não é 'Não'! Seu Nome é 'Sim… e o Amém' (2Co 1:20) - Ele é "o Deus do Amém" (Is 65:16 - “Deus da verdade” [verdade - hbr. amém אמנּ]) - o Positivo, o 'Verdadeiro’, o Deus de propósito.
Portanto, é absolutamente necessário que avancemos para esta base estabelecida, e que Deus sempre venha com o propósito de criar (ou de restaurar), para que haja edificação e crescimento. Se ao menos pudéssemos acreditar no Senhor - mesmo nos nossos momentos mais devastadores, quando tudo parece ter sido tirado de nós, e tudo nos é arrancado, e parece estar indo embora, e pensamos que podemos ver o fim se aproximando: se apenas pudéssemos acreditar que Deus está trabalhando - não para acabar com o que tem valor, mas para produzir um aumento! Esse deve ser o nosso terreno – que Ele está arando, Ele está cavando, e pretende fazer uma colheita; o Senhor deseja algo mais. Ele sabe por que está fazendo isso dessa maneira – nós não. Mas podemos ter certeza de uma coisa: Deus está trabalhando por intermédio da Cruz para tornar as coisas seguras para Ele mesmo.
Agora, suponhamos que o Braço do Senhor fosse revelado a nós; ou na localidade onde vivemos, no local onde servimos e estamos engajados, ou no grupo que estamos ligados; supondo que o Senhor manifestasse Seu braço poderoso, trazendo prosperidade, aumento: o que aconteceria? Talvez você não concorde com isso, porque sente que não seria verdade no seu caso; mas é exatamente aí que nossos corações são enganados. Posso lhe dizer o que aconteceria. Nós entraríamos em cena; começaríamos a nos pavonear no acontecido, agora as coisas estão crescendo, se ampliando, prosperando e se tornando algo digno de nota. Andaríamos por aí como pavões, com as caudas abertas; estaríamos metaforicamente, se não literalmente, usando um crachá com 'Superintendente', ou 'Gerente Geral', ou uma coisa dessa natureza, escrito em letras grandes! Começaríamos a falar sobre o assunto; e se as pessoas começassem a falar de nós, como isso nos deixaria satisfeitos!
Esse é o perigo infinito, e Deus não correrá o risco de permitir isso em algo que é inteiramente dEle. O Senhor deve tornar as coisas seguras para Si mesmo, de modo que, se Ele estender Seu braço poderoso e fizer algo, nós não começaremos a embolsar o crédito; seremos um povo escondido e coberto.
É impossível exagerar na importância disso. Esta não foi talvez uma das leis subjacentes mais profundas da revelação do Braço do Senhor ao longo de toda a história do Cristianismo? Por que ocorreu aquele crescimento e expansão, logo no início, que nunca teve paralelo ao longo dos séculos desde então? Porque a Igreja foi despojada, descascada e esvaziada, quebrada, espancada, machucada e perseguida, porque pregava Cristo crucificado como a sabedoria de Deus e o poder de Deus - e o mundo não aceitou. O Braço do Senhor foi revelado para isso. A Igreja não tentava evitar a ofensa da Cruz para encontrar um lugar neste mundo. Não, pregou a Cruz; não tinha vergonha de pregar Cristo crucificado. Custou tudo para eles – mas o Braço do Senhor foi revelado.
Que tremenda lição para nós!
Somos trazidos de volta a este capítulo em Isaías. Este capítulo, que é a quintessência do Novo Testamento e de todos os caminhos de Deus, mostra que o Braço do Senhor é revelado àquele Servo humilhado, esvaziado, desprezado, quebrantado e crucificado. É uma lei permanente. Que não haja engano sobre isso – se tivermos um espírito assertivo, autoconfiante, “controlador“ ou qualquer coisa do gênero, o Braço do Senhor não será revelado. Mas se descobrirmos que Ele está despojando, esvaziando e derramando, parecendo reduzir a nada, podemos ter certeza de que Ele está fazendo isso para tornar as coisas seguras para que Ele estenda Seu braço. Você acredita nisso? Digo mais uma vez – Ele é o Deus do positivo e não do negativo; Ele estenderá Seu braço se ao menos lhe for permitido completar, aperfeiçoar, aquela obra de minar tudo que roubaria Sua glória. Não sabemos o quanto existe desse tipo de coisa em nós, não é? Achamos que quase tocamos o fundo, chegamos ao fim; e não resta mais nada em nós. Mas o que aconteceria se toda a situação mudasse subitamente - tomasse o caminho ascendente e começasse se alargar? Deveríamos entrar em cena novamente - nossa carne inveterada começaria imediatamente a se afirmar! A Cruz é o grande instrumento de compensação; é o único caminho para a glória.
Agora, quero que você observe que lugar maravilhoso este capítulo ocupa em Isaías. Você se lembrará da análise dessas profecias. Os primeiros trinta e cinco capítulos estão ocupados com uma ampla gama de julgamentos, começando, como sempre – note-se – com o povo de Deus. Esta é uma lei divina: como pode Ele julgar o mundo até que tenha julgado o seu próprio povo? Os capítulos 36 a 39 formam um breve interlúdio que trata de Ezequias; e então temos a seção final, os capítulos 40 a 66, que descrevem o processo de restauração e reconstrução. No meio da última seção, que tem vinte e seis capítulos, e está ocupada com a nova perspectiva, com restauração e reconstrução, vem este capítulo 53. Isso não é significativo? Dá à Cruz o lugar central na edificação, na restauração; e isso é sempre verdade, não é? Mas talvez você possa reagir e dizer: 'Isaías é uma história antiga - muito distante e aconteceu há muito tempo!' Gostaria, portanto, de colocar aqui um longo parêntese.
Toda esta sequência que acabamos de considerar é transportada diretamente para a dispensação em que vivemos. Temos isso trazido ou introduzido na carta de Paulo aos Romanos; e (como veremos no próximo capítulo) é completada na primeira carta do mesmo apóstolo aos Coríntios. Você se lembra da carta aos Romanos. A primeira seção abre falando do alcance do julgamento Divino sobre toda a raça de Adão; é o 'Não' de Deus. Isso leva ao ponto focal do capítulo 6: a Cruz. Esse capítulo é colocado contra toda a situação anterior, declarando que a Cruz diz para sempre “Não” a tudo que foi falado. Mas quando passamos do capítulo 6 para capítulo 7, até o capítulo 8, descobrimos que estamos saindo daquela velha situação para uma nova, do negativo para o positivo. No capítulo 8 chegamos a uma perspectiva totalmente nova. “Agora, pois, já nenhuma condenação há…” [Rm 8:1]. Tudo o que foi condenado foi tratado na Cruz. Estamos “em Cristo Jesus”; e 'a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, nos libertou da lei do pecado e da morte’ [conf Rm 8:2].
Esta nova e maravilhosa perspectiva entra em cena. O que isso significa? Deus, que sempre teve em vista a edificação da Sua maravilhosa e gloriosa Igreja, “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante”, olhou para a situação entre os homens, a fim de encontrar aquilo que serviria de fundamento para Sua edificação. Mas o que Ele encontrou? Ele encontrou a situação descrita nos primeiros capítulos da carta aos Romanos. A descrição nos mostra o pecado, a corrupção, os emaranhados, a complicação – uma imagem desesperadora da depravação humana. Foi isso que Ele encontrou quando veio estabelecer um alicerce para Sua gloriosa Igreja, e disse: 'Não posso lançar um alicerce sobre isso; Não posso fundar a Minha Igreja com base nisso. Devo limpar o terreno, limpar toda esta situação, queimá-la no fogo' - e foi isso que a Cruz fez. A Cruz, nos intensos fogos do julgamento, como o poderoso Altar de Bronze, lidou com aquele emaranhado retorcido e distorcido da natureza humana. Agora Deus tem Seu fundamento – Cristo crucificado. Agora Ele pode prosseguir na edificação de Sua Igreja.
Esta é a interpretação da Cruz. É o meio de Deus se livrar de tudo que torna impossível para Ele fazer o que Ele quer, realizar o que Ele tem em mente. Ele tem um propósito poderoso em vista, mas encontra as coisas no caminho e afirma: 'Essas coisas devem ser tratadas.'
Vamos, no entanto, ao encerrar este capítulo, voltar novamente à nota positiva. Quando ouvirmos a frase “A Cruz”, guardemos as nossas mentes contra aquela revolta repentina – “Oh não, a Cruz de novo, mais uma vez a Cruz! Só morte, crucificação, tudo negativo!" Essa sugestão deve ser recusada resolutamente – é a distorção de Satanás dada ao instrumento mais maravilhoso de Deus para realizar o Seu propósito glorioso. Quando ouvimos 'A Cruz', digamos: 'Ah, isso significa uma nova perspectiva! Isso representa o abrir de um caminho; algo mais, não menos; isso significa que o Braço de Deus será manifestado!' Unamo-nos a Paulo ao dizer: “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz...” (Gálatas 6:14).
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.