por T. Austin-Sparks
Capítulo 3 - A Base da Revelação do Braço
No capítulo 53 de Isaías (onde incluímos os últimos três versículos do capítulo 52), acreditamos que podem ser encontrados certos pensamentos, leis e princípios Divinos de aplicação perpétua e universal, sobre os quais o Braço de o Senhor pode ser revelado. Continuamos nossa investigação para descobrir quais são esses pensamentos Divinos. Há certas coisas que estão claramente na superfície, conforme temos o registro diante de nós.
Em primeiro lugar, uma coisa que é muito evidente é a diferença entre a atitude do homem e a atitude de Deus para com este Servo sofredor do Senhor. Estas duas atitudes estão claramente definidas e representam duas esferas completamente diferentes. O que é dito sobre a atitude ou julgamento do homem em relação a Este - 'Meu Servo' - divide-se em duas partes: em primeiro lugar, a dos gentios; em segundo lugar, a de Israel.
O 'relatório’, [ou ‘pregação’] a respeito dEle que foi divulgado (mencionado no próximo versículo, cap 53:1) fez com que as nações e os reis ficassem admirados. Eles fecharam a boca em consternação horrorizada. A descrição demonstra uma atitude de espanto e incredulidade. “Quem creu na pregação?’ Não estes! Eles estão incrédulos – este nunca poderia ser o Servo do Senhor! Alguém assim! 'Você nos diz que este é o servo de Jeová? - que esse fracote está dentro do âmbito da aprovação Divina? Nunca!' Eles calaram a boca; suas mandíbulas estão fixas. Essa é a reação dos gentios.
Que descrição completa temos de Sua morte! "Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca” [vs 7]. Ele era como uma vítima dirigida para o massacre – palavra terrível, horrível! Massacre! “Ferido de Deus” – essa foi a interpretação da Cruz. “Do... juízo foi arrebatado” [vs 8]. O fato é que naquela época o juízo estava sendo exercido por Ele sobre Seus opressores: mas a opinião deles era: 'Ele foi devidamente privado de julgamento; todos os Seus privilégios e direitos foram eliminados, e merecidamente.' “Foi cortado da terra dos viventes” [vs 8]: 'Deus o eliminou - Deus fez isso!' Este é o julgamento de Israel, o julgamento do homem. O julgamento do homem sobre as coisas Divinas, as Pessoas Divinas e as obras Divinas é baseado inteiramente na consideração objetiva, sem qualquer conhecimento da realidade interior.
Temos duas questões aqui. Primeiro, por que esta reação universal do mundo dos homens a este Servo de Jeová? Do nosso ponto de vista, como cristãos, é surpreendente que tais julgamentos e reações sejam possíveis universalmente por parte dos homens, mas sabemos que elas de fato ocorreram. Ademais, sabemos que essas reações ainda são um fato nos nossos dias. A mente deste mundo não vê nada desejável neste Crucificado.
Segundo - e esta pergunta talvez chegue ainda mais perto do cerne e da raiz de toda a questão: Por que este método deliberado de Deus, tornando esta reação inevitável por parte do homem? É uma coisa tão estranha. Parece que Deus se esforçou para produzir tal reação no homem. Por que Deus não deu Alguém “totalmente amável”, que todos apreciariam; Alguém que se colocaria numa posição de aceitação universal à primeira vista? Por que Ele não O trouxe ao mundo em opulência, grandeza e glória? Por que Ele não foi no início embelezado com todos os sinais do Céu, para todos os homens verem? Por que Deus deliberadamente, ao que parece, adotou uma atitude que produziria reações desse tipo? Elas seriam inevitáveis. Desenhe esta imagem, como foi desenhada por Isaías: "seu aspecto…mui desfigurado, mais do que outro qualquer“ - distorcido "mais do que as dos outros filhos dos homens", e todos os outros detalhes - e então levante-o e afirme: ‘Esse é o seu Redentor!' Parece que Deus tomou deliberadamente uma atitude para perturbar e escandalizar.
E assim Ele fez! Mas por que?
Estamos chegando muito perto do ponto central. O padrão de valores do homem é inteiramente falso, e Deus sabe disso. É totalmente falso – porque é o resultado do orgulho do homem. Não é o orgulho ofendido que afirma: 'Diga-nos que precisamos chegar a esse ponto! Que temos que aceitar isso para a nossa salvação! Que temos que condescender a esse nível! Não, nunca! É contrário à natureza humana!' Sim, é, porque a natureza humana tem um padrão de valores totalmente falso, produzido pelo orgulho do homem. Portanto, a ideia do Servo Sofredor é uma afronta ao orgulho humano, uma ofensa e um escândalo ao padrão humano. Por esta mesma razão, nem judeus nem gentios receberiam a pregação – o orgulho não permitiria isso. Nós cantamos:
'Quando examino a maravilhosa Cruz derramo desprezo sobre todo o meu orgulho.’
Esse deveria ser o efeito da Cruz. Mas não. Sendo o homem o que é, seu orgulho não aceitará isso; e portanto 'Ele foi desprezado, rejeitado'; 'Ele não tem nenhuma beleza que nos agrade.'
A Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo representa o profundo enfraquecimento de toda falsa glória. Vai direto à raiz da auto-estima e da auto-importância do homem. Vai direto na raiz da vida que se baseia no prestígio e no valor do homem. Mesmo que, do ponto de vista e padrões deste mundo, um homem possa ser e ter alguma coisa; ainda que, por nascimento, ou por conquistas, por seu cérebro e inteligência, trabalho árduo e estudos, o homem possa adquirir alguma posição, glória, sucesso, prestígio: se basearmos nossa vida, diante de Deus, em qualquer dessas coisas, somos contados com aqueles que estão em absoluta contradição com o padrão Divino de valores.
O fato é que, quando chegarmos à cruz, até as nossas glórias legítimas, tal como este mundo as considera, serão esvaziadas – simplesmente despejadas pelo ralo. Veja Saulo de Tarso – ele tinha algo em que se gloriar? Ele nos conta todas as suas vantagens pela ancestralidade, nascimento, educação e formação, suas conquistas e sucesso. Ele havia subido até o topo da escada. O que ele concluiu quando chegou diante da Cruz do Senhor Jesus? Ele chamou isso apenas de 'refugo’! Para ele, a vida não se baseava nisso de forma alguma. Ele sabia muito bem que isso estava fora da esfera divina como base de qualquer posição diante de Deus. E se estamos entrando na 'comunhão do Filho de Deus' - o Servo de Deus - em coração, espírito e verdade, é isso que vai acontecer com nossos valores naturais. Estamos destinados a chegar a um lugar onde tudo o que temos como algo em que possamos nos gloriar - tenha isso adquirido antes, no ato do nascimento ou depois - se tornará em nada para nós. Veremos essas coisas com constantes ameaças à nossa vida espiritual, se não tomarmos muito cuidado.
Estou falando, é claro, sobre basear nossa vida diante de Deus nessas coisas. Não estou dizendo que não existam valores nelas; mas se começarmos a trazê-los à presença de Deus, e avaliar as coisas tomando elas como base, dando a elas muita importância, fica claro, não é, na companhia de quem nos encontramos? Não levamos Deus em consideração; Deus desacreditou todo o orgulho humano. Na Cruz do Senhor Jesus, Ele destruiu totalmente toda a glória do homem. A imagem aqui pintada do Servo Sofredor de Jeová, com toda a agonia, distorção, tudo o que é tão terrível, é um retrato do que o pecado faz - o que o orgulho faz - aos olhos de Deus. É assim que Deus vê o homem. Essas pessoas que não aceitaram o relato, por orgulho, são aqui retratadas como estão aos olhos de Deus, na pessoa daquele Homem pendurado na Cruz. Ele levou nossos pecados, nossas iniquidades, nossas transgressões; tudo o que somos foi colocado sobre Ele. É assim que somos aos olhos de Deus. Ele não foi levado a essa posição porque isso era verdade a Seu respeito, mas porque era verdade em relação a nós; esse é todo o argumento do capítulo.
Mas não é apenas uma vida baseada em coisas aparentemente legítimas e verdadeiras, em méritos e valores herdados ou adquiridos, que não tem posição diante de Deus, mas a vida baseada na importância assumida. Isto pode ser mais sutil, e é certamente mais terrível: quando uma pessoa, que não tem direitos naturais de ser alguma coisa, começa a assumir que é alguma coisa, demonstrando sua auto-importância, tomando uma posição, pavoneando-se na própria casa de Deus. Quão contrário ao espírito deste Servo do Senhor! “Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir a sua voz na praça.” (Is 42:2). Não há nada nEle que seja assertivo, alto, barulhento. Mas as pessoas podem assumir posições, até mesmo na própria casa de Deus, tornando-se barulhentas e assertivas, chamando a atenção para si mesmas. Isso é algo que é muito horrível para Deus.
O salmista diz: “Eis que te comprazes na verdade no íntimo” (Salmo 51:6). O que é verdade a nosso respeito, afinal? O que é verdade sobre você, o que é verdade sobre mim, diante de Deus? Pois é diante de Deus que as coisas são pesadas corretamente (1Sm 2:3). O Apóstolo disse: “O amor... não se ensoberbece” (1 Co 13:4). Que frase, ‘ensoberbecer’; - ficar cheio de ar e nada mais! O amor não é “inchado”; o homem não pode inflar na presença de Deus. Quando chegamos à presença de Deus, somos lançados no pó. Sempre foi assim – “Quando eu O vi, caí com o rosto em terra” (Ez 1:28; Dn 8:17; Ap 1:17).
Assim, vemos o contraste do padrão de valores do homem e o de Deus. Que diferença! Este Servo desfigurado é a maneira de Deus nos mostrar o que somos aos Seus olhos. Há algo muito profundo nos caminhos de Deus. O homem sempre, desde o dia da Queda, procurou chamar a atenção para si mesmo, ser algo em si mesmo, ter glória para si mesmo; e no centro de tudo estava o orgulho. Isso tirou Satanás de sua posição elevada e tirou o homem da posição endereçada a ele. Deus repudiou tudo isso na Cruz do Senhor Jesus. “A quem foi revelado o braço do Senhor?” Não é revelado para ninguém que tenha algo disso. Aqui estão seus princípios de compromisso Divino. “O homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito.” (Isaías 66:2). “Os soberbos, ele os conhece de longe” (Sl 138:6). “Abominável é ao SENHOR todo arrogante de coração” (Pv 16:5).
Por um lado, portanto, a Cruz do Senhor Jesus destrói todo o nosso orgulho e senso de auto-importância baseados num falso padrão de valores. Mas, por outro lado, a Cruz é a revelação daquilo que é o padrão de valores de Deus. Qual é o padrão dEle?
A Carta de Paulo aos Filipenses é a grande carta da Cruz, não é? O segundo capítulo dessa carta é o complemento mais perfeito de Isaías 53. Ouça como começa esta parte da carta:
“Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo”.
Que desafio! Isso não minaria todas as nossas críticas, mesmo aquelas que consideramos tão necessárias? Esse irmão, essa irmã, pode ter alguns defeitos muito evidentes - mas, só Deus sabe, os meus são muito piores!
”Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós a mesma mente” [Filipenses 2:4,5a - KJV fiel] - observe com que frequência esta palavra 'mente' ocorre - "Tende em vós a mesma mente que houve também em Cristo Jesus: que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus., Mas fez-se sem reputação, tomando sobre si a forma de um servo, fazendo-se semelhante aos homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz”. [Fp 2:5-8 - KJV fiel]
Este é o complemento, como disse, de Isaías 53. O que se segue imediatamente é o complemento do final de Isaías 52 (“Meu servo... será exaltado”):
“Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome…”
Qual é a base para a manifestação do Braço do Senhor? A quem...? A estes, a estes, descritos ou endereçados neste segundo capítulo da carta aos Filipenses. Ao chegar no terceiro capítulo, encontramos uma lista das coisas nas quais o homem se gloria e leva em conta, sobre as quais o homem constrói, exemplificadas na vida passada de Paulo. Mas Deus naquela época não olhou para Paulo dessa forma para aprovação e bênção; Ele não disse: ‘Ficarei ao lado desse homem'. Ele primeiro encontrou Paulo e o lançou no pó, quebrou-o e despedaçou-o; e então, depois disso, o Senhor o levantou. O princípio é tão claro. O principal mal para Deus é o orgulho! A principal virtude é a mansidão! Portanto, isto é apenas uma confirmação do que temos neste grande capítulo de Isaías. A quem será revelado o Braço do Senhor? Para Este, e para aqueles como Ele - para aqueles que têm 'a mente que havia em Cristo Jesus'.
Mas não ficamos cada vez mais surpresos quando pensamos neste Servo do Senhor - sabendo de antemão, como Ele sabia, tudo o que iria experimentar e sofrer, e o que isso significaria - e ainda assim permanecendo disposto a aceitar tudo isso? claro, para nos redimir do nosso orgulho – da iniquidade do nosso orgulho? A raiz da palavra 'iniquidade' em hebraico significa 'perversidade'. Foi para nos libertar daquela perversidade - na verdade uma aliança interior com Satanás, no orgulho de seu coração - que o Servo do Senhor desceu às profundezas da degradação! Isto nos dá uma estimativa verdadeira do orgulho: vemos o que é o orgulho diante dos olhos de Deus, bem como o padrão de valores totalmente falso do homem. E certamente se abre diante dos nossos olhos o valor infinito do abnegação, de “não ter confiança na carne” (Filipenses 3:3), do “espírito manso e tranquilo, que tem grande valor diante de Deus" (1Pe 3:4).
Então, se quisermos o Braço do Senhor por nós, e não contra nós; se desejarmos o seu fortalecimento, apoio e poder nas nossas vidas, congregações, assembleias e no nosso serviço - esta é a base. Nada que seja contraditório com isso fará com que o Braço seja levantado em nosso nome. Ele nos deixará chafurdar na lama que criamos, até que, na cruz, estejamos preparados para “derramar desprezo sobre todo o nosso orgulho” e descobrir o que significa estar “morto para todo o mundo” - mais particularmente o mundo dos nossos próprios corações.
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