por T. Austin-Sparks
Capítulo 1 - A Situação e a necessidade
"Quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do SENHOR?"
A palavra “braço” é usada simbolicamente muitas vezes nas Escrituras, para significar aquilo em que o homem confia para obter força e apoio. Um braço representa a pessoa: quando ela está fraca, seu braço é descrito como fraco: em outros momentos está forte. Ele é empregado como símbolo da pessoa, do povo ou da nação, sempre indicando um estado de força ou de fraqueza. Esta expressão, portanto, “o braço do Senhor”, quando adotada em relação a homens ou nações, implica no Senhor conceder Sua força e apoio àquilo que está de acordo com Sua mente, manifestando-Se em poder em favor deles.
A quem, então, o Senhor se manifestará em poder? A quem o Senhor 'desnudará' Seu braço (Is. 52:10)? "A quem foi revelado o braço do Senhor?"
Embora na Bíblia haja muitos incidentes em que o braço do Senhor é mostrado, existem ocasiões particulares caracterizadas por esta frase. Por exemplo, ao tirar Israel do Egito, encontramos repetidas referências ao desnudar e manifestar do Seu braço. Esse incidente é muitas vezes referido como uma ocasião notável em que o Senhor mostrou o Seu braço, o “golpe do Seu braço” (Is 30:30). Para retirá-los, o braço do Senhor foi “revelado”. Se você ler e considerar toda a história do trato de Deus com o Faraó e com o Egito em nome do Seu povo, descobrirá que tudo se resume nisto: foi a revelação do braço do Senhor. Claro que isso é apenas uma ilustração – a emancipação de um povo eleito do reino deste mundo e das trevas; mas, para isso, o braço do Senhor foi revelado.
Vejamos a libertação de Israel da Babilônia, que foi outra ocasião em que o braço do Senhor foi revelado. Quantas vezes isso foi considerado assim: o braço do Senhor, estendido sobre Babilônia, derrubou seus governantes e derrubou suas forças, a fim de trazer o povo de volta do cativeiro (Is 43:14). E mais uma vez, essa situação foi simbólica – a recuperação de um testemunho puro entre o povo do Senhor, testemunho este que havia sido perdido. Se for feita a pergunta: “A quem foi revelado o braço do Senhor?” ou em outro tempo verbal: 'A quem será revelado o braço do Senhor?' aí está a resposta: o propósito é esse, é para isso.
Mas é na ressurreição de Jesus, e na Sua exaltação à destra da Majestade nos Céus, que é o exemplo supremo da revelação do braço do Senhor. Naqueles primeiros dias da Igreja, quão maravilhosa foi esta revelação do braço do Senhor! Nos acontecimentos narrados naqueles primeiros capítulos do livro dos Atos, vemos Seu braço estendido o tempo todo. Quando sofriam perseguição, alguns se reuniram para orar e oraram: “Concede aos teus servos... intrepidez, enquanto estendes a mão... sinais e prodígios..." (Atos 4:29,30). Herodes foi atingido por aquele braço; Saulo de Tarso sofreu o mesmo impacto; muitas coisas aconteceram, em muitos lugares, porque o Senhor estava revelando Seu braço.
E antes de chegarmos ao final do Novo Testamento, toda a nação de Israel encontrou o braço do Senhor. Ele foi revelado na completa derrubada e dispersão de Israel como nação, e essa derrubada foi tão completa que sua integração original nunca foi recuperada. Mais ainda – Roma liberou todas as suas forças contra o Senhor e contra o Seu ungido, mas encontrou o braço do Senhor e foi inteiramente destruída; deixou de ser um império e uma nação. Estes são apenas alguns exemplos na história da manifestação do braço do Senhor, em resposta a esta pergunta: “A quem foi revelado o braço do Senhor?”
Agora você notará que muitas dessas instâncias têm certas características em comum.
Em primeiro lugar, havia uma exaltação dos poderes mundiais contra Deus: a elevação da cabeça por parte dos poderes deste mundo contra o Senhor e o Seu ungido.
Em segundo lugar, havia o envolvimento da glória e do propósito do Senhor, através de condições de fraqueza ou apostasia entre o Seu povo. Não glorificava o Senhor ter Israel no Egito. Depois da aliança que o Senhor fizera com Abraão, Isaque e Jacó, era radicalmente contrário ao propósito revelado de Seu coração, que Ele mantivesse os filhos de Israel em cativeiro no Egito, entregando sua força aos poderes do mal. Era contrário à glória de Deus ter Israel na Babilônia; foi desonroso para Ele e isso contrariava Sua intenção revelada. Quantas vezes foi assim – que o Senhor revelou Seu braço por causa da condição prevalecente entre Seu povo.
E então, em terceiro lugar, havia um clamor interior por parte de um instrumento de intercessão. Havia Moisés, em contato com Deus em relação àquela situação no Egito. Vemos Daniel, e alguns outros com ele, dentro da situação na Babilônia, clamando a Deus. Também temos aquelas reuniões de oração registradas no livro de Atos – e vemos o clamor dos eleitos por justiça. Esta era uma característica comum à intervenção de Deus repetidas vezes – um clamor vindo de dentro.
Algumas questões surgem em relação a tudo isso em nossos dias. Existe alguma situação no nosso tempo que corresponda a estas situações, nessa conexão tríplice? Temos uma condição como essa hoje? A resposta é óbvia. As potências mundiais estão levantando a cabeça contra o Senhor? Já houve um tempo em que o trono de Deus fosse mais desafiado pelas potências mundiais do que hoje? Há uma condição no Cristianismo que traz muita desonra ao Senhor? Estaria o verdadeiro testemunho do Senhor mais envolvido num estado espiritual contrário à Sua mente revelada do que hoje? Vemos que a resposta novamente é evidente. É impossível hoje em dia mover-se por este mundo sem encontrar essas duas coisas e ser quase oprimido por elas.
A tremenda força do mal que está colocada contra Deus! Você sente, se depara com ela em todos os lugares. E se isso por si só já é angustiante, posso afirmar sem exagero que ainda mais angustiante é o estado do Cristianismo em geral, que hoje é uma grande contradição com o que Deus revelou quanto ao Seu propósito. Somos quase compelidos a dizer que o maior inimigo do Cristianismo é o Cristianismo. Estou falando, é claro, de maneira muito genérica. A honra e a glória de Deus estão profundamente envolvidas hoje numa condição entre o Seu povo que é muito desonrosa para Ele. Estas duas condições sem dúvida prevalecem nos dias de hoje.
E quanto ao terceiro ponto? Temos um clamor vindo de dentro? É difícil falar muito sobre isso - talvez sim e não. Há uma sensação crescente no coração de muitos filhos de Deus de que as coisas não estão bem - uma sensação real que não foi essa a condição que o Senhor intencionou para o Seu povo. Creio que há um clamor profundo em muitos corações por alguma mudança na condição espiritual entre Seu povo.
Apesar de toda a satisfação geral com tão pouco, há aqui e ali um clamor por discernimento e compreensão, nascido da convicção de que o Senhor desejava algo diferente para a Sua Igreja. Essa condição nunca poderia atender ao padrão de Deus! Essa consciência e sua manifestação podem ser mais intensas e abrangentes do que conseguimos perceber. O Senhor precisa obter o que deseja, se for realizar algo; ainda que sejam apenas um Daniel e mais três ou quatro na Babilônia, já será suficiente para Ele. Minha ênfase maior está neste último ponto: a necessidade urgente de um clamor mais profundo, fortalecido a Deus.
Estas três coisas, então, por certo estão presentes nos nossos dias. Não é, portanto, hora do braço do Senhor ser revelado mais uma vez? 'A quem foi revelado o braço do Senhor?' Temos nas Escrituras algo que justifique a expectativa de que, no final, o braço do Senhor será de novo revelado, como ocorreu nessas ocasiões no passado? Há algo que poderia fortalecer nossa oração e aumentar nossa expectativa? Sem dúvida que sim, e muito!
Por exemplo, no dia de Pentecostes, Pedro citou as profecias de Joel; mas ele interrompeu a profecia antes de terminá-la. E o cumprimento da profecia naquele dia também parou num certo ponto: parou no derramamento do Espírito. Pedro disse: 'Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel' (Atos 2:16). Mas a profecia de Joel, que Pedro citou longamente, não teve seu cumprimento completo naquele dia. Se você olhar outra vez para Atos 2:19-21, verá que algumas coisas poderosas foram incluídas nessa profecia, e elas foram suspensas no Dia de Pentecostes para um dia posterior. Elas estão reservadas para outro momento.
Novamente, podemos nos lembrar do incidente quando o Senhor Jesus, retornando do deserto no poder do Espírito, foi a Nazaré e entrou na sinagoga no dia de sábado (Lucas 4:16-19). O rolo foi entregue a Ele, e Ele o abriu em Isaías 61 e começou a ler. Mas a certa altura, antes de terminar a profecia, Ele parou. Ao ouvir as palavras: “o ano aceitável do Senhor”, Ele parou e sentou-se. Ele não concluiu com: “e o dia da vingança do nosso Deus”; não leu essa parte da profecia. Isso está suspenso; ainda não aconteceu.
Depois temos uma passagem como Mateus 24, do versículo 29 em diante, apontando para o que acontecerá no tempo do fim, no dia da vinda do Senhor. Vemos muitas marcas do desnudamento do braço do Senhor, da Sua intervenção no tempo do fim. É impressionante, não é, que algumas das declarações nessa passagem sejam idênticas em termos de linguagem ao restante da profecia de Joel. Estas coisas ainda não se cumpriram; estão suspensos para um dia posterior.
E o que devemos dizer sobre o Livro do Apocalipse? Qualquer que seja a sua interpretação desse Livro, historicista, futurista ou qualquer que seja, não dá para fugir do fato de que tudo se concentra no Dia da Vinda do Senhor. Esse dia está cheio de intervenções de Deus - na vida da Igreja, na vida das nações e no reino das trevas. Sim, pressuponho que temos muita base na Palavra que justificaria uma expectativa de que, no final, haverá uma grande revelação do braço do Senhor.
É de grande importância se o Senhor pode estar com cada um de nós - ao nosso lado com Sua força e poder; mostrando Seu braço em nosso nome e em nós, pessoalmente. É de tremenda importância que o Senhor possa comprometer-se conosco e dizer: 'Posso estar com aquele homem, posso estar com aquela mulher, empregando minha força.'. Colocarei Meu poder ao seu lado.’
Novamente, é muito importante saber se o Senhor pode colocar Seu poder atrás de nós como grupos dentre o Seu povo - se Ele pode permanecer conosco em força e dizer: 'Isto é algo que vou cuidar; vou defender; isso é algo pelo qual vou exercer Meu poder: estou junto com isso; estou nisso’. Essa é uma questão última. Qual é a vantagem de qualquer esforço que fizermos – todo o nosso ensino e o dispêndio de tempo e energia – se o Senhor não estiver conosco, não estiver livre para exercer Seu poder, para se mostrar poderoso em nosso favor?
E o que é verdade para o indivíduo e para os grupos, é verdade para o povo de Deus neste mundo. Pois, todo o povo de Deus está envolvido nesta situação mundial, e nada senão o braço do Senhor pode salvá-lo. Somente uma coisa pode atender a esta necessidade e situação atual entre o povo do Senhor: que Ele desnude Seu braço; que haja a 'iluminação' de Seu braço poderoso.
Esta é uma palavra para o momento, e vamos fazer esta pergunta e procurar respondê-la, na medida do possível, mais tarde. Quais são os princípios sobre os quais o braço do Senhor será revelado? Pois, devemos reconhecer que esse braço é, em certo sentido, governado; sua manifestação é condicional. Há momentos em que o braço do Senhor fica, por assim dizer, paralisado; está preso, não pode se mover, não é livre.
No clamor do profeta Ele era como um homem amarrado no meio do Seu povo, incapaz de se mover (Jeremias 14:9). Existem princípios, leis espirituais, que governam o braço do Senhor. E quer a necessidade do Seu braço seja pessoal, de um grupo, da Igreja ou do mundo, devemos compreender a base e as condições sob sobre a qual o Senhor exercerá o poder do Seu braço, estendê-lo e realizar Seus atos poderosos.
Como já disse, não responderei a essa pergunta nesse momento; isso virá mais adiante. No momento, quero apenas trazer à tona toda a questão da necessidade do braço do Senhor ser revelado. Quero que você seja capturado por essa necessidade. Esta palavra me exercitou durante muitas semanas, em especial enquanto eu andava pelo Extremo Oriente: 'Desperta, desperta, arma-te de força, braço do SENHOR!' (Is. 51:9).
Quão grande é a necessidade do braço do Senhor nesta situação mundial multifacetada. Isso pode ser expresso de outras maneiras: Oh, se o Senhor fizesse algo – se Ele agisse! Se o Senhor trouxer sobre Seu povo nestes dias um novo senso desta necessidade de revelação de Seu braço, e nos movesse, primeiro a enviar a clamar. Então poderíamos nos alinhar com as leis que governam o movimento de Seu braço, esta mensagem terá valido a pena, trazendo consequências muito reais.
Em primeiro lugar, um clamor contra a iniqüidade espiritual nesta terra. Gostaria de poder contar-lhes apenas um pouco do que tenho visto e ouvido como resultado da iniquidade espiritual que está em ação neste mundo – as vidas despojadas, dilaceradas e assediadas; as famílias se separando - ah, é uma história terrível. É um mal puro e diabólico - nada além de engenhosidade e astúcia satânicas; e tudo está concentrado em livrar este mundo de Deus e de tudo o que é de Deus, representado em homens e mulheres. É inteiramente maligno.
A tristeza e o sofrimento que enfrentamos e tocamos dia após dia, e que sabemos que ainda persistem em algumas partes deste mundo hoje, são indescritíveis – inteiramente desumanos. A linguagem não pode expressar o caráter diabólico daquilo que está em ação na terra hoje. Oh, que um clamor ao Céu traga o Braço do Senhor contra esta iniquidade espiritual - pois é uma iniqüidade espiritual. Não creio que o homem, mesmo no seu pior momento, pudesse, se deixado sozinho, conceber essas coisas.
Depois, por um clamor contra a desonra do Senhor no estado espiritual geral daqueles que levam o nome de 'cristãos'. Vemos uma história terrível se repetindo. Sim, a verdadeira dificuldade para o Senhor está entre aqueles que assumem o nome de “cristãos”. É necessário que haja um clamor elevado ao Céu contra a desonra feita ao Nome do Senhor por aquela que é chamada de 'Igreja Cristã'.
Assim, surge um protesto contra a satisfação simplista que acompanha o entendimento superficial do magnífico propósito de Deus. Inúmeras vezes, minha alma foi perturbada pelo desconforto provocado pela atitude superficial e negligente que prevalece em relação ao sublime propósito divino. Vemos a revelação deste imenso propósito de Deus 'de eternidade em eternidade', e ainda assim a atitude em relação às coisas espirituais é muitas vezes: 'Oh, bem, um mínimo é suficiente.'
Tudo indica que a medida mais limitada é tudo que se faz necessário para proporcionar imensa satisfação. Se você tem alguma ideia da grandeza do propósito de Deus, e dá expressão a ele, é extremamente comovente tentar descobrir como um tipo superficial e glamoroso de cristianismo, essa coisa barulhenta e jazzística, pode corresponder ao vasto propósito de Deus em relação ao Seu Filho. Essas coisas te deixam indignado; mexe lá no fundo. É necessário que haja um clamor contra aquilo que se torna num substituto e usurpa o lugar do grande propósito de Deus nos corações do Seu povo.
Quando o profeta Isaías ficou oprimido com os males encontrados entre o povo de Deus, Israel, e com o mal nas nações exteriores, ele levantou com um grande clamor: "Oh! Se fendesses os céus e descesses! Se os montes tremessem na tua presença (Quando fizeste coisas terríveis, que não esperávamos, desceste” (Is. 64:1,3). "Oh, se você fendesse os céus"! Você só precisa se movimentar neste mundo, sentindo as coisas, avaliando as coisas, para que esse clamor nasça em você. Mas peça ao Senhor que coloque dentro de você esse clamor, faça de você parte desse clamor ‘interior’, para a glória de Deus nesses dias.
Peça a Ele para torná-lo parte desse instrumento e vaso essencial, como o grupo de Daniel, Ester, Moisés, a 'reunião de oração' em Jerusalém, ou muitos outros vasos semelhantes, que alcançaram o Céu com um clamor, e atrairam aquele Braço. Pois esse é um princípio vital: “Ainda nisso permitirei seja eu solicitado pela casa de Israel” (Ezequiel 36:37). O Braço do Senhor não irá simplesmente ‘acontecer’; o Braço do Senhor só será revelado em resposta a um clamor. “Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça” (Lucas 18:7,8). Ele irá - mas Ele precisa do clamor de um eleito.
O Senhor nos faça assim. Esta é, eu sei, uma palavra solene. Mas este é um dia para sermos sérios, um momento para enfrentar a situação real, e não apenas viver num paraíso de tolos, como se tudo estivesse bem. Deus deve ser alcançado com um clamor nestes dias. Só posso dizer isso por estar em contato muito próximo com essa grande necessidade. Ninguém que tenha visto um pouco das condições no Extremo Oriente não ficaria emocionado, ou sentiria diferente em seu coração: Oh, que o povo de Deus começasse a clamar a Deus em relação a esta situação! Portanto, trago esta ênfase no início, e depois poderemos ver algo dessa a base sobre a qual o Senhor se moverá.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.