por T. Austin-Sparks
Capítulo 7 – A Voz de Jeremias (continuação)
"A qual dos profetas vossos pais não perseguiram?" (Atos 7:52).
Até agora temos nos ocupado com as muitas notas na voz do profeta Jeremias. Antes de deixarmos este profeta, queremos dizer uma palavra sobre a posição inclusiva e representativa de Jeremias. Talvez alguns leitores se perguntem por que deveríamos ter começado primeiro com Jeremias, em relação a ministério profético. Muitos escritores teriam – muito provavelmente – colocado Isaías em primeiro. "Jeremias” não é um profeta fácil ou agradável de se ler. Isaías é muito mais agradável e legível. Podemos ter as nossas preferências entre os profetas, mas – preferências aparte – há razões por termos começado com Jeremias, e haverá razões por fazermos o que fazemos em outros casos.
Nossa principal razão por esta prioridade é que, de uma forma mais completa do que qualquer outra, Jeremias acentua as características de todos os profetas. Que variedade de características há quando olhamos para todos os profetas! Tristeza, esperança, desespero, alegria, amargura, luz, escuridão, amor, raiva, etc. Embora cada profeta possa ter mais do que um aspecto, todos eles têm uma característica predominante. É possível dizer de cada um deles: 'Este é o profeta do ... ' (e dar uma respectiva definição). Quando olhamos para Jeremias, ficamos impressionados com muitas características. Mas há uma inclusividade aqui. Se a impressão predominante são as lágrimas e o sofrimento, isso é alternado com esperança, promessa, soberania de Deus, e dia de Salvação por vir. O ponto é que muitos aspectos irão compor o chamado e a vocação do ministério profético. Vamos observar alguns deles, aos quais Jeremias é um ponteiro. Temos lidado com esta questão de maneira mais plena em nosso “MINISTÉRIO PROFÉTICO” e “AS REAÇÕES DE DEUS ANTE AS DESERÇÕES DO HOMEM, mas não será sem proveito indicarmos alguns pontos aqui. O profeta e seu ministério é o ponto focal de
Isso significa que a função do ministério profético é introduzida quando as coisas se desviaram do pleno propósito de Deus. Mas a coisa significa mais do que isso. O desvio é marcado por um elemento de força que envolve o profeta num conflito positivo. Em tal ministério não há complacência passiva à situação, nenhum compromisso ou apaziguamento. Pode haver um apelo, um pedido, lágrimas e tristezas, mas não há nenhuma trégua em relação ao declínio espiritual. Isso está muito aparente em todos os profetas de Samuel em diante. Eles eram homens que lutavam, e o principal dentre todos eles foi o próprio Senhor Jesus Cristo. Deus tem uma mente; uma mente plena. Essa mente foi anunciada, e a Bíblia é a história da batalha da plena realização dessa mente. Há um intenso elemento de degradação na criação que, se for deixado por conta de sua própria natureza, corre selvagem e perde totalmente a sua característica. Nada sobe – ascende – sem um combate contra essa propensão. A Bíblia enxerga esse elemento que foi introduzido como fazendo parte de um tremendo passo do homem dado para baixo; espinhos e cardos se tornaram para sempre símbolos de uma direção errada, e de uma labuta, com o suor na testa, a fim de vencer essa tendência. Esse estresse inerente tem marcado a relação do homem com as coisas divinas, e a história das coisas de Deus tem se dado da seguinte maneira: Deus se move – o homem se opõe – Deus se move novamente.
Como dissemos, a função do profeta fica bem no centro desse conflito. É aí que a segunda das duas Escrituras, no cabeçalho deste capítulo, tem o seu lugar. Na verdade, é aí que entra o martírio de Estevão.
Porque o cumprimento desse tipo ministério significa uma posição inflexível contra o desejo incorrigível de se minimizar a coisa até o seu nível mais fácil; aqueles que têm compromisso com este tipo de ministério não são pessoas populares, e – como Jeremias – são vistos como não se importando com os interesses do povo. É por isso que, provavelmente, Jeremias, como Moisés e Isaías, se esquivaram de tal ministério. Quando Jeremias disse ao Senhor: "Eu sou uma criança; não sei falar", ele reconheceu não possuir as qualificações proféticas do profeta – “falar”. O ministério, para ele, não tinha nenhuma atração, como tem para muitos. Teve que ser impingido sobre ele contra o seu próprio senso de insuficiência, pois Jeremias bem sabia contra o que iria se opor na condição de profeta; e ele teve o que esperava. Porém, a própria subsistência desses profetas ante tudo o que encontraram pelo caminho mostra que Deus estava com eles; que os tinha chamado; e que o ministério deles tinha uma importância e um valor particular para Ele.
O ministério de resgatar valores perdidos, padrões perdidos, medidas espirituais perdidas, é um caminho solitário para aqueles que trilham por ele. Os profetas foram homens muito solitários, e seus ministérios, muito custosos.
Se Jeremias de fato se sentia tão inadequado tal qual uma criança diante de uma grande situação a ser enfrentada, o Senhor – embora apreciando, sem dúvida alguma, o senso de insuficiência dele – não permitiria que o Seu servo o limitasse à medida de Jeremias. É um dos paradoxos das Escrituras que, embora o Senhor mantenha Seus servos fracos e vazios em si mesmos, porém, Ele não irá permitir que eles se escusem e se eximam, por conta de tal insuficiência. Assim, um apóstolo, movido por um esmagador senso de inadequação, irá gritar: "Quem é suficiente para essas coisas?" E, então, de seu próprio clamor vem a resposta: “A nossa suficiência vem de Deus." Jeremias tinha a resposta para o seu grito de fraqueza: “Eu te coloco hoje sobre as nações." A voz deste profeta, e de todos os profetas, diz:
Não devemos nos esquecer de que o livro de Esdra, Neemias, Zacarias, e outros, foram frutos do ministério de Jeremias. (Veja 2 Crônicas 36:22 e Esdra 1:1.)
Porém, lembre-se também de que o ministério e os sofrimentos de Jeremias foram vindicados no remanescente. Primeiro o remanescente que retornou para reconstruir o templo e o muro, e também Jerusalém. Sim, mas não somente esse remanescente temporal, mas um remanescente espiritual, pois, o apóstolo Paulo usa essa mesma verdade em seus argumentos concernentes à inclusão de um remanescente de Israel na Sião celestial, o Novo Israel (Romanos 9:27-33). Ele cita Isaías, mas, como falamos, o conjunto do ministério de todos os profetas relacionados ao movimento de recuperação de Deus; e esta recuperação está sempre nos remanescentes. Não serão os vencedores do Apocalipse o remanescente do tempo do fim, a corporificação da plena mente de Deus? É nesses primeiros capítulos de Apocalipse que vemos este declínio de forma tão evidente. Tomemos cuidado, pois, para não nos desviarmos do pleno propósito de Deus. Os falsos profetas de Israel não eram falsos no sentido de que eles nunca foram chamados para o ministério profético. Eram homens que haviam frequentado a Escola dos Profetas; estavam academicamente treinados, e herdaram as tradições de Elias, de Eliseu, etc. Eles eram falsos profetas devido ao declínio, às concessões, ao tempo de serviço; usavam o seu cargo de maneira oficial e não espiritual, a fim de ganhar popularidade; eram homens de política e não de princípios; procuravam agradar os homens, e manter-se agradáveis às pessoas; não foram fieis às suas responsabilidades.
O critério do nosso ministério no final será: ‘Será que as pessoas de Deus estão ganhando coisas eternas com a nossa presença junto delas, ou será que estão perdendo aquilo que Deus deseja que elas possuam?' A responsabilidade é nossa ou é do povo? Esta é a “voz” inclusiva de todos os profetas.
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