por T. Austin-Sparks
Capítulo 5 – A Voz de Jeremias (continuação)
Quando o Apóstolo Paulo fez esta referência aos profetas, ele estava trazendo o ministério deles até a data de cerca de setecentos anos após os seus dias. Assim fazendo, o Apóstolo mostrou que aquelas ‘vozes’ possuíam um significado duradouro. O contexto também mostra que existe uma voz nas Escrituras que é mais do que palavras. As palavras podiam – e podem – ser ouvidas “todos os sábados”, mas a voz, todavia, ficar totalmente inaudível. Esta é uma acusação, uma condenação, uma advertência.
Tomamos nota de várias mensagens duplas de Jeremias; isto é, de duas coisas contrastantes colocadas uma contra a outra. Aquilo que passaremos a considerar agora não é uma questão de contraste, mas sim de duplicação: são os dois rolos. É a história do canivete do rei com o qual ele cortou o rolo da profecia e o lançou nas chamas.
Este incidente - no que tange o nosso conhecimento – tem despertado a atenção em relação à crítica destrutiva e à batalha travada entre teólogos conservadores e liberais, ou seja, intérpretes da Bíblia. O incidente certamente fornece um instrumento de primeira classe por tal controvérsia, em relação à autoridade das Escrituras, porém, não é nossa intenção usá-lo aqui. Se nos prendermos exclusivamente a tal conexão, iremos perder a “voz”, a qual possui um significado e mensagem espiritual igualmente importantes. Isso está mais conectado ao segundo rolo do que ao primeiro.
A seriedade desta mensagem é encontrada no julgamento de Deus sobre o infrator. Em cumprimento à profecia, o corpo de Joaquim foi lançado por cima do muro sobre os invasores pelas próprias pessoas que não haviam repudiado a sua ação. Isso, contudo, prossegue um longo caminho adiante, a fim de mostrar que uma ação tal como a dele eventualmente acaba em desatre e calamidade; em vergonha e retribuição, não importa quanto possa demorar.
Qual é, então, a mensagem ou a “Voz” dos dois rolos? O primeiro rolo foi impiedosamente destruído e jogado fora. Nenhuma cópia dele foi guardada por Jeremias ou Baruque, seu escriba. Não existiam cópias carbonadas de documentos naqueles dias. A reprodução tinha que ser exatamente como a primeira, isto é, uma inspiração direta de Deus. Deus tinha que falar a mesma coisa uma segunda vez (embora no segundo rolo houvesse adições). O ponto é que Deus realmente falou novamente nos mesmos termos. Façamos o que quisermos em repúdio àquilo que Deus revelou, e mesmo negligenciá-lo, colocá-lo de lado, ou – como neste caso – atirá-lo veementemente ao fogo, mas aquilo que Deus falou irá aparecer novamente, de forma aumentada, e o destino será determinado dessa maneira. Esse fato aparece repetidamente na Bíblia. Dois exemplos notáveis são o de Jesus Cristo e o das igrejas na Ásia. É muito evidente que, fosse ou não Saulo de Tarso um participante da crucificação de Jesus, espiritualmente ele certamente o foi, e tendo acreditado que o líder tinha sido eliminado, seguia ele, Saulo, a fim de matar também todos os seguidores. Sem dúvida, quando Jesus foi morto, Saulo pensou que ele tinha recebido aquilo que merecia. Tudo o que restava agora era eliminar todos aqueles que tinham alguma conexão com Jesus. Porém, jamais poderemos, mesmo com a mais aguçada imaginação, penetrar na surpresa, na devastação e na devastadora perplexidade de Saulo quando ele se deparou com Jesus no caminho para Damasco, o qual se revelou dizendo: “Eu sou Jesus”. O segundo rolo, por assim dizer, tinha surgido para confrontar Saulo. Ele, Saulo, usou o seu “canivete” e lançou Jesus de Nazaré às chamas. E também estendeu o mesmo serviço a Estevão. E aqui vemos o seu encontro com o próprio Jesus, mas, agora, com os devidos acréscimos. Nós não podemos imaginar a calamidade que teria caído sobre Saulo de Tarso se ele tivesse persistido como Joaquim na rebelião.
De sua prisão, Paulo escreveu – talvez soluçando: “Todos os que estão na Ásia se apartaram de mim” (2 Timóteo 1:15). Abaixo de Deus, aqueles irmãos deviam tudo a Paulo. Ma, agora, por fim, haviam se afastado dele e, talvez, tivessem até repudiado o seu ministério, o ministério de “todo o conselho de Deus”. Bem, será que isso é tudo? Não, apenas trinta e poucos anos mais tarde temos aquela incomparável apresentação e descrição do Mestre de Paulo dada no primeiro capítulo de Apocalipse. Essa descrição e apresentação precisa ser considerada à luz daquilo que ocorreu no abandono de Paulo, e no que se ocorreu ao longo daqueles subsequentes trinta anos. Com esta detalhada e simbólica apresentação, as igrejas da Ásia são desafiadas, interrogadas, e julgadas, e o destino delas está na balança, ficando inteiramente dependente da resposta delas a Jesus – sim – e também à “Voz” de Paulo. Então, o segundo rolo surgiu e foi decisivo.
Essas instâncias são tais que dão um forte argumento ao seguinte princípio: Nós jamais poderemos fugir definitivamente daquilo que Deus tem mostrado, seja qual seja a nossa atual atitude. O que Deus nos mostrou irá voltar a nós novamente, de modo que a nossa posição eterna irá depender disso. Naturalmente isso possui uma aplicação multifacetada.
Em Atos 13 Paulo mostra que a tragédia de Israel – a qual durou por muitos séculos – foi devido a eles acharem que a negligência ou violência deles não iriam se voltar contra eles em juízo. Mas eles estão sob a égide do Segundo Rolo. "Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações”.
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