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As Coisas que nos Sobrevém

por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Nov-Dez 1947, Vol. 25-6. Das Mensagens ministradas em Honor Oak chamadas “This Ministry” - Volume 3. Origem: "The Things Which Befall Us". (Traduzido por Maria P. Ewald)

“Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos; o qual nos livrou e livrará de tão grande morte; em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-nos” (2 Co 1:8-10) .

O Fato da Experiência do Sofrimento

Ao ler esse pequeno extrato da autobiografia de Paulo, a primeira coisa que nos chama a atenção é a própria experiência vivida, que não parece ser considerada por ele como algo extraordinário, mas é tomada, ao que parece, como se fosse o curso normal da vida de um servo de Deus. Ele simplesmente fala dessa situação como algo que sobreveio a ele na Ásia, como se fosse algo habitual. Apesar de grande e evidentemente terrível, tudo foi considerado como algo que apenas aconteceu, e isso nos diz muito das tremendas experiências de adversidades, sofrimentos e provações que o povo do Senhor deve passar. Essas experiências não devem ser consideradas como catástrofes espirituais, como se tudo estivesse dando errado, nosso universo se despedaçando, Satanás simplesmente levando tudo embora e o Senhor sendo deixado imobilizado e derrotado na situação.

Apesar de ser forte a maneira que estamos nos expressando, fazemos isso para atrair a atenção para o fato de que essas coisas sobrevém no curso da vida de um verdadeiro, fiel e devotado servo de Deus, que se posiciona pelos mais plenos e elevados interesses do Senhor. A palavra que melhor expressa aqui esse fato é “convertem sobre”. Somos frequentemente tentados a pensar que algo muito errado aconteceu quando enfrentamos momentos de dificuldades, adversidades, profundo sofrimento e provas, surgindo assim a grande pergunta se isso deveria realmente acontecer, visto que pertencemos ao Senhor. Somos realmente devotados ao Senhor em nosso coração, somos sérios com Ele! Bem, essa pergunta já sobreveio aos nossos pensamentos e ainda sobrevém. Entretanto, invariavelmente chegaremos à conclusão de que não existe nenhum encanto na vida do filho mais dedicado de Deus, nem providência especial para garantir que nenhuma adversidade lhe sobrevirá - isso acontecerá. Simplesmente acontece, é um fato, e a partir daqui começamos.

Aconteceu com Paulo, sobreveio a ele, “convergiu sobre” ele, mas ele não levantou nenhuma questão sobre Deus ou sobre as questões espirituais que o tenham levado a ter dificuldades com o Senhor. Você é um daqueles que passou, ou talvez ainda esteja passando, por grandes adversidades, provas, sofrimentos, perplexidades? Isso já aconteceu com você, já lhe sobreveio esse tipo de coisa? Paulo não está sozinho nisso, isso é parte do curso natural das coisas. Tudo tem um sentido. Mas o meu ponto nesse momento é que essas coisas são fatos. Não podemos fugir deles. Você precisa aceitar que esses são fatos a serem reconhecidos e aceitos como parte da porção de um verdadeiro servo e filho de Deus. Aqui é onde começamos.

Exercício em Relação à Experiência

Entretanto, há outra coisa aqui depois disso. Naturalmente, não sabemos qual era a natureza exata desse teste em particular. Alguns pensam que se refere ao tempo de Paulo em Éfeso, e que ele estava próximo de ser lançado às feras na arena. Ele disse, em outra ocasião, que lutou com bestas em Éfeso, falando metaforicamente (1 Co 15:32). Pode ter sido isso, mas é mais provável que tenha sido alguma doença terrível que o atingiu, alguma doença que o levou ao fim de toda esperança. Seja o que for, ele disse: "a ponto de desesperarmos até da própria vida; sim, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte". Você se pergunta por que ele repete a palavra "nós mesmos". Essa é a dificuldade da tradução. Se fosse colocado em inglês literal, seria algo assim. "Nós nos condenamos"; isto é, chegamos a um veredicto sobre a situação. Quanto a nós mesmos, nosso veredicto foi: Este é o fim, a morte! Mas o que queremos particularmente notar é o exercício que a aflição produziu em Paulo. Evidentemente, ele estava examinando a situação e dizendo: Qual é o significado Divino na minha situação? O que o Senhor quer dizer com isso? Embora pareça um acontecimento, isso me aconteceu, mas o Senhor tem algo ligado a isso. Houve indagação e exercício sobre a situação e, em sua investigação por meio da oração, ele percebe qual é a mente do Senhor, resumindo tudo na pequena palavra - PARA. "Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, PARA que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos”. Tudo isso aconteceu para que... Havia um objeto Divino, um significado Divino, algo bastante preciso. Para que...

Pois bem, o segundo passo é que devemos ter um exercício interior para descobrir o que o Senhor quer dizer com as coisas que nos acontecem, porque nada acontece a um verdadeiro filho de Deus sem que tenha um significado para o Senhor. Deve haver exercício até chegarmos ao ponto de sermos capazes de dizer: Oh, eu vejo, esse é o objetivo e propósito do Senhor. É para que... Que poderoso “para”! É a questão de uma indagação com oração sobre o porquê de nos ser permitido passar por alguns caminhos obscuros de julgamento e sofrimento nos quais nos desesperamos. Chegamos ao nosso fim e declaramos a sentença. Dizemos: "Bem, estou acabado, cheguei ao fim. No que me diz respeito, é a morte, não há esperança". Declaramos a sentença. No entanto, acreditamos que Deus tem algo nisso e temos que tirar algo dessa situação; o resultado deve ser um concreto “para…”

A Explicação - “Deus que Ressuscita os Mortos”

Isso nos leva ao último ponto: "... que não devemos confiar em nós mesmos, e sim no Deus que ressuscita os mortos". É uma passagem que conduz de uma esfera à outra, da nossa base para a base de Deus. Em nós mesmos há morte, um fim; mas em Deus há um começo, pois Ele é o Deus “que ressuscita os mortos". É toda a história da Igreja reunida em uma pequena frase de quatro palavras. É todo o objetivo da Igreja nesta dispensação, extraída do exercício da alma desse homem, Paulo. Qual é a história da Igreja? Qual é o objeto Divino na Igreja nesta dispensação? É que, em toda parte, Deus terá oportunidade de mostrar que, por Jesus Cristo, Ele conquistou a morte e triunfou sobre todas as limitações e fins do que é natural, e tornou possível a plenitude ilimitada da vida de ressurreição. Queridos amigos, é verdade que, no final, a Igreja será vista como instrumento de Deus para estabelecer neste universo o fato de que, através da morte e ressurreição de Jesus Cristo, a morte, aquele inimigo eterno de Deus e do homem, foi absolutamente destruída. Essa verdade será trabalhada através da Igreja. “Para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais" (Efésios 3:10). Em tudo isso há essa coisa central - a morte. O que queremos dizer com “a morte”? Não estamos falando simplesmente de morte física, mas de um grande fato espiritual. A morte é o fato que pronuncia um fim. Sempre que dissermos: Este é o fim, estamos acabados! - nós sucumbimos à morte. Esse é o veredicto da morte, pois a morte sempre diz isso. A Igreja nunca deve acreditar em fins, em aniquilamentos - isto é tachar a situação como morte. Embora mil vezes, dentro de nós mesmos, possamos sentir que o fim chegou, na própria experiência que nos leva àquele lugar, Deus investiu uma nova percepção de que Nele esse caráter definitivo é anulado. Nunca devemos esperar por um perecimento, um fim, antes que Deus diga: esse é o fim! Ele é o Deus da esperança, "que ... nos regerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível" (1 Pe 1: 3-4). Se deixarmos de lado o negativo e lermos apenas a afirmação positiva na passagem que estamos considerando, lemos: “Para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos".

Você está esperando aniquilamento, limitação, sentindo que não há mais esperança, não há futuro? Não acredite nisto! Veja o grande fato eterno: Deus está tentando nos levar ao lugar onde não mais esperaremos para ver o que o Diabo constantemente oferecerá através das circunstâncias - morte, fim, limitação. Deus está, o tempo todo, pensando em aumento, ampliação. Essa é a história da Igreja. Repetidamente, tanto no geral como em casos individuais, dizemos: “Este é o fim, está tudo acabado, o Senhor já terminou conosco”; e então vemos que o fim ainda não chegou, não é mesmo? oh, como somos lentos para aprender, para ter isso consolidado, estabelecido! Descobrimos que ainda há uma liberação de vida, há algo mais na intenção do Senhor; e, mesmo quando o fim aqui na terra for de fato alcançado, não acreditamos que seja o fim da vida e do serviço - será a emancipação para a plenitude.

Essas são coisas muito simples, mas todas se apoiam nessa pequena palavra “para”. Deus permite coisas muito profundas, duras e dolorosas - coisas que nos trazem ao ponto de desistir, onde decretamos o veredicto de morte sobre nós mesmos. Ele as permite com o objetivo de que, por mais que tenhamos conhecido e provado a verdade em nossa experiência anterior, Ele possa nos trazer ainda mais longe no poder e no bem de que Deus ressuscita os mortos. Se Ele faz isso, então há esperança para qualquer um e para qualquer coisa.

Que o Senhor nos dê mais desta fé disciplinada, instruída e iluminada. Não podemos chegar a ela por ouvir a respeito, mesmo que tenhamos ouvido mil vezes, mas apenas pela experiência. Alguns de vocês sabem do que estamos falando. Você conhece o desespero, conhece situações sem esperança, sabe o que é chegar ao lugar onde se sente acabado, a ponto de desistir. Se você ainda não sabe o que é isso, poderá vir a saber. O Senhor deseja nos levar, tantos quantos Ele puder, até aquele lugar onde, em e por meio da Sua Igreja, a morte é tragada pela vitória, a morte não mais existe. Essa é praticamente a última palavra da Bíblia. Quase que nas primeiras palavras da Bíblia vemos a entrada da morte; a árvore da vida foi cortada. No final da Bíblia, lemos: "A morte já não existirá" (Apocalipse 21:4). Isso precisa ser forjado em um instrumento, e sabemos que esse processo é muito prático. Que o Senhor nos capacite a aprender essa lição e a ganhar o terreno de vantagem que é o triunfo da ressurreição de Cristo.


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